Você está aprendendo errado

Caio Vaccaro
DevDevs
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6 min readJul 6, 2020

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Foto de Stas Knop no Pexels

Todos nós temos uma curiosidade incessante e vontade de aprender coisas novas de uma forma divertida. Desde criança, queremos explorar o mundo e tudo que é diferente tem o potencial de ser fascinante. Mesmo adultos, gostamos de aprender “macetes” e formas mais inteligentes de fazer as atividades rotineiras. No mínimo, gostamos de fatos interessantes ou fofocas. Também gostamos de viajar e ampliar os horizontes. Como, depois de alguns anos, acabamos não tendo prazer em fazer nosso trabalho, que apresenta desafios novos a cada dia? Isso é verdade principalmente para quem está no meio da carreira em diante.

Fadiga

No mundo da programação, especialmente Front-End, novas tecnologias são criadas toda semana. Muitas vezes se tornam promissoras e outras que pareciam sólidas, a ponto de serem base de estudo em cursos e nomenclatura de cargos, caem por terra e são substituídas. A frustração com isso é muito comum, a ponto de existir expressões como “Javascript Fatigue”.

Entretanto, a fadiga não é por aprender muitas coisas. Temos capacidade de absorver uma quantidade gigantesca de conhecimento; e, reparando bem, você vai ver que, desde que se mantenha motivado e se divirta no processo, geralmente a fadiga não aparece. Mas a forma que nos habituamos a aprender acaba por estreitar o cérebro e o raciocínio. O que isso quer dizer?

Unidos venceremos

Sabemos que nós humanos somos seres sociais e, desde que nascemos, dependemos da união de grupos como família, amigos, relacionamentos, instituições, cidades e comunidades. A qualidade do grupo influencia todos que participam dele. Da mesma forma, os neurônios se unem e formam redes, cadeias e associações para “sobreviver”. Quanto maior a rede e mais forte as associações, mais tempo ele sobrevive e menos energia e esforço é preciso para mantê-lo. Um outro fator muito importante em tornar uma rede forte, é a presença de conteúdo emocional.

Porém, quanto mais pressão e velocidade existe no processo de aprendizado, mais são as chances de se criar redes muito estreitas e fracas, desassociadas de todo o resto, inclusive de conteúdo emocional.

O ovo ou a galinha?

Na verdade, esse problema se origina muito antes com o padrão de ensino nas escolas. A partir do ensino fundamental, somos incentivados cada vez mais a “engolir” conteúdo e a decorar, ao invés de ter prazer em aprender.

Motivação e prazer

Ter prazer em aprender está intrinsecamente conectado à noção de motivação. Nós somos motivados a procurar prazer e a evitar dor, desde sempre. Porém, por causa da velocidade e demanda da sociedade atual, é muito possível, ou mesmo provável, que o “dever” sobrepasse o “querer” mais cedo ou mais tarde.

O problema é que, com isso, estamos criando e mantendo nosso material de trabalho (o nosso conhecimento) desassociado de prazer. O problema não é o trabalho em si, mas como nós mesmos criamos a fundação que usamos para trabalhar. Sem sentir prazer e se divertir em aprender, como sentir prazer trabalhando? E, sem prazer, estamos fadados a perder a motivação e foco, a ter ansiedade e, quem sabe, até ter um burnout.

“Tem que”

A pergunta que mais escutei ao dar palestras é: “mas o que você acha que devo aprender agora?”. Os vídeos e artigos mais procurados também são sobre as últimas tecnologias do ano atual, e o que você tem que saber e aprender. “Qual é o mapa? O que eu tenho que fazer, para onde vou?”

Isso acontece por uma tendência de supervalorizar informações externas organizadas e sub valorizar nossa experiência pessoal. Principalmente com a internet:

“Aquilo que a computação busca mapear e modelar, ela acaba dominando. O Google se determinou a indexar todo o conhecimento humano e se tornou fonte e árbitro do conhecimento: tornou-se o que as pessoas pensam […] O viés da automação garante que daremos mais valor à informação automatizada do que à nossa experiência.” — A nova idade das trevas: A tecnologia e o fim do futuro, de James Bridle.

Em outras palavras, invalidamos a nossa própria experiência em favor do que nos é informado de forma sistemática.

É claro que é muito importante conhecer o mapa, mas você é quem navega por ele. Você é a bússola que vai indicar a direção, não os trends e as hypes do momento. E qual é o norte? O que te recompensa, o que te dá bem-estar. Vamos chamar isso de conexão.

Todos nós conhecemos a sensação de “não sei pra que estou fazendo isso” depois de um tempo no feed do Instagram. Podemos acabar fazendo a mesma coisa com o nosso aprendizado profissional ou acadêmico, se não prestarmos atenção.

Conexão

A proposta e o desafio é conectar tudo isso, com tudo cada vez mais interligado ao que te traz prazer e bem estar. Ao invés de aprender e adquirir conhecimento de forma isolada e puramente técnica, podemos fazer isso de forma conectada com demais aspectos da nossa vida, como com outras áreas de conhecimento, com nossos valores morais, com nossas necessidades pessoais, com nossos talentos e vontades. Quanto mais associação, mais sólida será a sua motivação.

Como começar?

Comece fazendo associações aos poucos. Podemos começar de cima para baixo. Quais são as outras áreas de conhecimento que você tem afinidade, além da referente ao seu trabalho?

  • Programação
  • Artes
  • Música
  • História
  • Antropologia
  • Psicologia
  • Filosofia

É possível fazer associações entre todos esses campos de conhecimento. E isso em si já é prazeroso, reforça sua motivação e resiliência.

Você, enquanto programador, pode achar que esse é um mundo à parte e desconectado de tudo, mas isso é só a sua percepção depois de aprender a programar dessa forma, pensando isoladamente.

Podemos ver que:

  • Programação tem impacto social e econômico.
  • A forma que as linguagens e máquinas foram construídas se relaciona diretamente a assuntos de humanas como filosofia e artes (música e sua linguagem por exemplo).
  • Também é um processo artístico e criativo.

Ou seja, a programação se relaciona diretamente com seus valores morais pessoais e seu propósito de vida também. Onde você trabalha, o que faz, as linguagens que escolhe, tudo isso faz parte de um contexto histórico e político que tem impacto na vida de milhares de pessoas.

Por exemplo, ao aprender um novo framework Front-End, você pode:

  • Saber a razão de ter escolhido e ter convicção de ser programador
  • Enquanto pessoa, gostar de conceitos abstratos e saber que é isso te motiva a aprender um framework com uma nova filosofia
  • Procurar saber a razão que fez essa tecnologia existir, qual problema ela está solucionando
  • Associar essa razão original com a situação onde você quer usar essa ferramenta
  • Ler a documentação, entender como esse framework foi feito e correlacionar e comparar com outros conceitos, frameworks e abordagens (tecnologia)
  • Por curiosidade, entender a cultura e história da empresa que criou o framework, ou até mesmo do país ou cidade, e como isso influencia essa tecnologia (antropologia)
  • Compreender qual o contexto de negócio por trás dessa tecnologia (economia/administração)
  • Entender como esse framework influencia o trabalho em grupo (psicologia)
  • Procurar saber com quem você está contribuindo ao usar essa tecnologia (valores morais)

Ao fazer isso, pouco a pouco, esse processo se torna um círculo vicioso positivo. O aprendizado vai deixar de ser isolado e portanto mais divertido. Toda vez que você associar conhecimentos de áreas diferentes, seus neurônios ficam felizes. Os seus neurônios precisam saber muito bem a razão para você aprender e fazer qualquer coisa e como isso contribui para o seu bem estar. Se você não souber, pare e comece de novo.

Quando você conseguir aprender uma nova técnica ou conceito e associá-la com conhecimentos prévios de outras áreas (e passar, como tempo, a fazer isso sem muito esforço), quando conseguir se lembrar e explicá-la também dessa forma, você terá prazer em aprender. A sua criatividade se manifestará com mais facilidade porque você tem uma paleta variada de assuntos à sua disposição. Quanto mais integrada for sua vida, menos esforço você vai precisar na vida profissional.

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